Você conhece a banda de Mõbius? Ela é definida como uma forma não-orientável: isso siggnifica que não existe distinção entre um lado de fora e um lado de dentro. É a expressão da impossibilidade de se representar o dentro e o fora como espaços separados e antagônicos. Ela é utilizada como metáfora da clínica psicanalítica para representar o aparelho psíquico, apreendendo o psiquismo para além da dicotomia corpo (Soma) e alma (Psykhé)- exterior e interior.
Sob essa lente, nossos corpos são muito mais do que uma parte interna biológica composta por ossos e músculos. É através dele que temos nosso primeiro contato com o mundo e damos os primeiros sentidos e significados para nossas vivências. É pelo corpo que começamos a representar nosso ambiente, nossas sensações, nossos desejos. É por meio dele, então, que formamos também nossas primeiras representações psíquicas de estímulos como fome, sede, frio, sentimentos e desejos arcaicos.
O psicanalista italiano Ferenczi diz que "a lembrança fica impressa no corpo e é somente lá que ela pode ser despertada". Nossas impressões sobre o que experenciamos ficam inscritas em um tipo de memória corporal, "memórias em sentimentos", para depois buscarem a possibilidade de representação- através de palavras, por exemplo. Guardam assim, registros precoces, o que Freud denomina de "Eindruck", que se traduz como uma impressão, uma marca, como uma tatuagem inconsciente, que muitas vezes passa despercebida, mas que age continuamente sobre nós.
Temos, assim, a memória explícita, que colocamos através da linguagem verbal ou narrativa, e também temos a memória implícita: a memória do corpo.
Todo trauma é guardado na memória implícita. O que significa que, apesar de não conseguir lembrar exatamente o que pode ter acontecido, nosso corpo lembra a forma que se sentiu naquela situação. É uma memória sensorial, que é trazida à tona através de cheiros, gostos, toques, sons... Apesar de não lembrarmos, podemos ser facilmente "engatilhados" para um momento traumático através desses sentidos. Essa memória do não-dito fica marcada no corpo, e nos influencia direta e indiretamente em vários momentos de nossa vida.
Freud diz que "O ego, é antes de tudo, um ego corporal". Nosso corpo é, assim, uma representação também de nosso inconsciente, armazenando marcas muito precoces, muitas vezes esquecidas, que não foram alcançadas ou simbolizadas pela linguagem verbal. Essas impressões "tatuadas"em nossos corpos em memórias implícitas interferem, assim, direta e indiretamente no modo que pensamos, agimos e significamos experiências, de modo que, novas vivências experenciadas através da nossa mente mais "madura"com capacidade de simbolização, também não ficam imunes a influência dessas memórias registradas no corpo.
Nosso psiquismo é , portanto, formado a partir das primeiras impressões corporais- único meio que dispúnhamos de tentar entender o que se passa ao nosso redor. Assim, se torna impossível tentar separar a mente do corpo, e o cuidado de ambas as partes, em sua indissociabilidade, torna-se essencial.